“De que lado eu estou?”. Este é o primeiro de muitos questionamentos que “Tropa 2” leva o expectador a fazer. É um filme que não termina no cinema. Ele vai contigo pra casa e no caminho revela uma cidade indefesa como você nunca viu. Ele escancara as mazelas da nossa sociedade, esfrega na cara onde a nossa permissidade e o nosso ‘jeitinho brasileiro’ nos levaram. A lei do mais esperto, com nossos esquemãos, do “todo mundo faz isso”, está ali exposta na sua forma mais extrema, mas tão nociva quanto a que praticamos nos pequenos atos do dia a dia.
O filme reitera o que todos nós já sabíamos, que no Brasil faz-se uma das políticas mais sórdida do mundo. Tratada em gabinetes de portas fechadas, nossos representantes decidem ali o que vai acontecer no beco, na viela. É vil, é baixo demais! Sob uma lógica invertida, não se discute soluções, se manipulam problemas de acordo com os próprios interesses. Sem limites, é o poder pelo Poder. “A milícia defende o cidadão dela mesma”, diz o, agora, coronel Nascimento. É verdade, isso tudo mundo já sabia. O que muita gente passou a entender só agora é que há Alguém que defende a milícia.
Pois é. Depois de todo um trabalho de uma CPI, de diversas matérias de jornais, denúncias, vídeos na Internet, foi preciso produzir uma obra de ficção pra fazer a gente acreditar naquilo tudo. Muito se falou que o “Tropa 2” desconstrói o primeiro filme. Mas isso não é verdade. Muito pelo contrário. O público continua saindo do cinema com gosto de sangue na boca. Acontece que ele passa a entender que a sua artilharia estava voltada para o lado errado. É preciso tolerância zero, sim. Acontece que nessa guerra, como já avisara o slogan, “o inimigo sempre foi outro”.
Não, o filme não causa indignação. Vai além. Ele te dá empurrão e grita “qual é a tua mermão? Cai dentro!”. Não dá pra ficar alheio. Não dá pra ficar em cima do muro. Depois do “Tropa”, com diria um amigo meu, não há mais tom de cinza. “O certo é o certo, não o errado ou o duvidoso”, como diria os antes famigerados e, agora, ‘esculachados’ vagabundos de uma facção criminosa do Rio.
Esculachados, sim. Durante anos nos fizeram acreditar que o problema da segurança pública no Rio de Janeiro era culpa de grandes empresários. Por trás do mercado varejo de entorpecentes nas favelas estariam megatraficantes atacadistas internacionais, manipulando tudo. O que eles nunca deixaram tão claro quanto agora é que esses caras não fariam nada sem a cumplicidade de seus principais sócios: os empresários do voto. A diferença é que esses moram aqui mesmo, e se der mole já votamos neles. A saga Tropa de Elite (se é que se pode chamar de saga um filme com uma apenas uma seqüência) transforma os traficantes em meros peões de um tabuleiro de xadrez onde todas as peças e casas são pretas.
É verdade. Realmente o “Tropa 2” causa uma sensação de desconforto quando saímos do cinema. Não é por surpresa, porque o filme, como já disse, não traz qualquer fato novo. Ele apenas replica o que já foi notícia, só que na voz do Wagner Moura num megafone, com a música do Tihuana ao fundo. O que, de fato, nos angustia é que saímos sem identificarmos ao certo de quem é a culpa. “É dos traficantes? Não, são “buchas”. Da polícia? Ta esquentando. Dos políticos? Ta pegando fogo. É...minha? Achou!”. A culpa é nossa, cidadãos de bem com instrução, que fazemos cara de nojinho quando se fala em política, para em seguida assistirmos o DVD do “Tropa 1” piratão da Uruguaiana. Preocupados demais com o próprio umbigo para assumirmos a responsabilidade e começarmos a fazer política com “P” maiúsculo. Como já diria o nosso querido amigo, o personagem PM Rocha: “Cada cachorro que lamba a sua c*****”. Aliás, é ele o autor do já consagrado “quem quer rir, tem que fazer rir”, do primeiro filme. Frases de uma cartilha que dizemos “desprezível”, mas que seguimos a todo momento.
É esta a razão da nossa angústia. Se no “Tropa 1”, nós somos aquele playboy do primeiro filme que “financia está merda”, no “Tropa 2”, nós somos o filho do Nascimento na cena final: estamos inertes, em coma; feridos e indefesos. Mas, ao término do filme, abrimos os olhos.